Pular Navegação (s)
27/09/2019

Dia Nacional de Doação de Órgãos: conheça histórias de doadores e transplantados do interior de SP

De acordo com o Ministério da Saúde, Brasil é referência mundial na área de transplantes; Central de Transplantes do estado de São Paulo informou que em 2019 já foram realizados mais de quatro mil transplantes no estado de São Paulo; em Sorocaba foram 29.

"Ela precisava de um rim e eu tinha dois”. Foi com esse pensamento que o contador Antônio Carlos Lisboa, de 49 anos, mudou a vida dele e da esposa, a advogada Luciane Lima, de 40 anos.

Nesta sexta-feira (27) é celebrado o Dia Nacional de Doação de Órgãos, que tem como objetivo conscientizar a população sobre a importância de ser um doador. E nesse quesito, o casal de Sorocaba (SP) dá uma lição.

Ao G1, Luciana conta que foi diagnosticada com insuficiência renal em setembro de 2013. Após as sessões de hemodiálise, começaram os testes para saber ser algum voluntário da família poderia doar o órgão. Foram vários escolhidos, mas depois de exames, Antônio foi o escolhido.

“Eu queria vê-la bem, com saúde novamente. Ela me deu o mais valioso presente, um filho, que pra mim é uma benção vinda de Deus. Os médicos falaram que ela precisava de um transplante, na mesma hora eu me ofereci para doar, diz Antonio.

Ele explica que o doador tem uma vida normal depois da cirurgia, mas faz questão de acompanhar a esposa em todos os cuidados e dietas necessárias.

“Você passa a dar valor a pequenas coisas e a ter mais hábitos saudáveis. Nós dois passamos a ter uma alimentação mais saudável, o mais natural possível. Tenho que tomar remédio para o resto da vida. Mas estou viva”, diz Luciana.

Com a mudança repentina, o casal mudou os hábitos de vida e investiu na saúde. O marido, que antes não praticava atividade física, hoje encaixa um tempinho para treinar. Após o transplante, ao contrário do que pensava, Luciane melhorou a saúde consideravelmente.

Em novembro, o casal vai para Curitiba participar dos Jogos para Transplantados. No dia 15 de setembro os dois também participaram da 3ª Corrida pela Vida, em Piracicaba, e se preparam para os Jogos Latino-Americanos, na Argentina, em 2020.

Antônio reforça que a doação em nada prejudica o doador, ele acredita que, ao contrário do que muitos possam pensar, faz com que a pessoa se sinta ainda mais viva.

“Doação de órgãos é um assunto que precisa ser discutido. Ainda tem muito preconceito, principalmente quando o doador está vivo. São muitas pessoas precisando e é a possibilidade de uma vida nova para alguém. As pessoas estão esperando, perdendo momentos com as famílias. Em quem se foi, o órgão não mais servir, mas para quem ficou pode salvar uma vida”, comenta a advogada.

'Fazer o bem, sem olhar a quem'

Foi essa frase que motivou a Sargento da Reserva da Polícia Militar, Valdirene Pereira, 49 anos, a doar os órgãos do filho Pedro Henrique Pondian, de 12 anos, vítima de um acidente de carro na Rodovia Jarbas de Moraes (SP-561), entre Jales e Santa Albertina (SP). A criança morava em Jundiaí (SP).

Pedro era passageiro do veículo que se envolveu em um acidente (SP). O PM e pai de Pedro, Edson Pondian, de 47 anos, e a mãe avó da criança, Lídia Pondian, de 76 anos, também estavam no carro e morreram no local.

Ao G1, a sargento da reserva da Polícia Militar e mãe do Pedro, Valdirene Pereira, 49 anos, contou que foram captados os pulmões, fígado, rins e córneas.

Segundo a Santa Casa, uma equipe da Força Aérea Brasileira (FAB) transportou os pulmões para hospitais na capital paulista. Já os rins e córneas foram levados ao Hospital de Base de São José do Rio Preto (SP).

“Foi uma maneira de ajudar outras crianças e adultos e para aliviar a minha dor porque eu sabia que ele estaria aqui de alguma maneira. Eu já perdi meu filho, então pensei no que poderia fazer”, desabafa Valdirene.

A sargento conta que não teve dúvidas em optar pela doação de órgãos quando a morte cerebral do filho foi constatada. Ela reforça que o preconceito sobre o tema existe e que falta divulgação para que as pessoas entendam como funciona a doação de órgãos.

“A doação de órgãos é primordial. Se você tem uma forma de ajudar o ser humano, para que ser egoísta? Imagine quantas pessoas você pode ajudar. É dolorido, mas precisa ser divulgado. Acredito que a gente tem que fazer o bem, sem olhar a quem. O Pedro era uma criança muito ativa, nos ensinou muitas coisas e eu sabia que ele ajudaria outras pessoas”, conta Valdirene.

'Tive duas chances de viver'

Desde criança Camila da Costa Gonçalves, hoje com 33 anos, sabia que iria precisar de um transplante de fígado. A designer gráfica, moradora de Sorocaba, descobriu aos 10 anos de idade que tinha hepatite autoimune, doença que ataca o fígado.

Aos 29 anos, em 2015, a doença atingiu seu ápice. Camila foi levada para o Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. Em 15 dias, ela foi chamada seis vezes para o transplante. Em cinco delas, os órgãos não estavam bons para o transplante, mas na sexta vez a cirurgia foi feita.

O que parecia uma solução, se tornou um problema ainda maior. O corpo de Camila rejeitou o novo órgão e ela precisava ser retransplantada com urgência.

O caso dela deixou de ter caráter estadual, passou a ser nacional e precisava que um novo órgão chegasse em questão de horas ou as máquinas que a mantinham viva seriam desligadas.

Horas antes dos aparelhos serem desligados, o novo órgão chegou. Camila foi para a sala de cirurgia e conseguiu o transplante. Em oito dias, ela conseguiu a doação de dois órgãos.

“Eu não sei se privilegiada é a palavra certa para expressar o que eu sinto sobre o que aconteceu comigo. Foi rápido porque eu estava entre as cinco posições da fila de transplante e isso significa que eu estava muito mal. É estranho, porque você pensa que existem milhares de pessoas na fila e às vezes, você imagina que o dia de algumas delas não vai chegar", diz.

"Muitos morrem nessa espera. E aí você pensa: ‘eu sobrevivi’. Às vezes acaba sendo meio inacreditável para mim. Eu tive duas chances de viver. Eu falo que eu bati na porta do céu e Deus falou que não era minha hora ainda, Ele me mandou voltar”, relembra.

Camila conta que, por conta da sua saúde, desde criança já entendia o que era a doação de órgãos e sabia a importância do assunto. Ela reforça que acredita o preconceito em relação a doação de órgãos ainda existe, mas que isso precisa mudar.

“É um pouco de egoísmo nós não querermos doar. É egoísmo da gente não querer se desfazer do nosso corpo mesmo depois que a gente morre. Meu transplante mudou a maneira como eu vejo o mundo, no sentido de dar mais valor a algumas coisas, de expressar mais o que eu sinto pelas pessoas, de aproveitar mais o meu dia porque você não sabe se ele vai ser o último”, diz.

'Mistura de sentimentos'

Fábio Henrique Carrer, de 33 anos, precisou lidar com a dor da morte do pai. Mas também deu espaço para outro sentimento: a alegria de permitir que outra pessoa tivesse a chance de viver.

A família de Valdir Carrer decidiu doar os órgãos do paciente, que estava internado no Hospital São Vicente, em Jundiaí (SP). O aposentado teve um mal súbito e sofreu um aneurisma cerebral.

De acordo com o hospital, foram retirados os rins, o fígado e as córneas do idoso. Parte dos órgãos foi levada para a Unicamp, em Campinas (SP).

Ao G1, Fábio contou que a doação de doar órgãos do pai foi tomada pela mãe no momento em que os médicos avisaram sobre a morte.

“Os médicos nos falaram sobre essa possibilidade e minha mãe não pensou duas vezes. Foram 45 anos juntos e essa decisão cabia a minha mãe", diz.

"O primeiro sentimento é de tristeza, de uma perda de um homem maravilhoso, do bem. Mas também ficamos felizes de ajudar quem precisa, dar vida a quem tem esperança e está há muito tempo na fila, aguardando um órgão para continuar a viver. Então, pra gente, foi um misto de sentimentos”, conta o professor de educação física.

Fábio admite que antes da morte do pai, tinha algum receio em relação a doação de órgãos, por ser algo que imaginava distante, mas depois da experiência que passou, percebeu que era uma maneira de ajudar outras pessoas a continuarem sua trajetória.

“Depois que superamos a perda, a gente fica grato e feliz sabendo que uma pessoa vai continuar a ter uma trajetória, vai ter uma família. A gente não sabe quem recebeu, mas sabemos que pode ter muitos anos de vida. Essa doação impactou a gente positivamente. Nos fez abrir os olhos que depois que a gente parte dessa vida, podemos dar continuidade, ajudando quem precisa”, finaliza.

Brasil é referência

A Central de Transplantes do estado de São Paulo informou que em 2019, até o momento, foram realizados mais de quatro mil transplantes no estado de São Paulo. Em 2018, foram 8.171 transplantes.

De acordo com o Ministério da Saúde, o Brasil é referência mundial na área de transplantes e possui o maior sistema público de transplantes do mundo.

Segundo informações da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos, entre janeiro e março de 2019, foram feitos mais de seis mil transplantes no país — Foto: Arte/Clayton Esteves

Segundo informações da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos, entre janeiro e março de 2019, foram feitos 1.448 transplantes de rins no país, seguido de 512 transplantes de fígado. Também foram feitos 3.400 transplantes de córneas e 742 de medula óssea.

Os dados informam ainda que, atualmente, existem 33.984 pacientes ativos na lista de espera por um órgão. Na lista pediátrica são 660.

Só no estado de São Paulo, 12.068 pessoas aguardam por um rim. No Ceará, 171 estão na espera por um fígado e 77 aguardam por um pulmão no Rio Grande do Sul.

Segundo a Secretaria de Saúde do estado de São Paulo, o transplante de córnea é o mais realizado pois, além de ser um tecido muito resistente, ele pode ser armazenado por até 14 dias após a doação.

Conforme o balanço da Central de Transplantes de São Paulo, 20% dos procedimentos são de rins, 10% de fígado e o mesmo percentual é verificado em relação ao coração.

Em Sorocaba, de acordo com a Secretaria de Saúde, do início do ano até agora, os hospitais realizaram 29 transplantes, sendo 24 de fígado e cinco de rim.

O Conjunto Hospitalar de Sorocaba e o Hospital Regional de Sorocaba contabilizam juntos 24 captações de órgãos em 2019, segundo a Secretaria.

Só no primeiro trimestre de 2019, de acordo com a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos, 7.974 pacientes entraram na lista de espera e 806 morreram.

Como se tornar um doador

A Associação Brasileira de Transplante de Órgãos explica que não há nenhuma declaração válida ou necessária para que a pessoa se torne doadora de órgãos. Também não existe um cadastro de doadores de órgãos e nem são mais válidas as declarações nos documentos de identidade e carteiras de habilitação e nem as carteirinhas de doador.

Por isso, a única forma de ser um doador pós-morte é discutir o assunto, em vida, com os familiares, já que só eles devem e podem pode autorizar a doação em caso de morte encefálica. Portanto, a família precisa estar ciente que o paciente quer doar seus órgãos e/ou tecidos.

Já no caso da doação de órgãos em vida, é permitida à pessoa juridicamente capaz dispor gratuitamente de tecidos, órgãos e partes do próprio corpo vivo, para fins terapêuticos ou para transplantes em cônjuge ou parentes consanguíneos até o quarto grau.

Para qualquer outra pessoa, somente mediante avaliação em Comissão de Ética do hospital e autorização judicial, onde seja comprovada estreita relação, exceto quando se trata de doação de medula óssea.

 

Fonte: https://glo.bo/2nMAwf2